22.8.11

João e o enterro do pai


Quinta-feira, céu estrelado, já era possível sentir o calorzinho tímido do final de inverno na capital mineira. Noite perfeita para os amigos João, Patrícia e Eliane se encontrarem no quintal de um boteco tradicionalmente conhecido por sua cervejinha gelada e seu tira-gosto picante. Entre um copo e outro, Patrícia resolve tirar a noite para contar as agruras vividas com seus pais prá lá de complicados. Elaine, aproveitando a deixa, comentou inclusive que seu pai era tão chato que não conseguia imaginar quem iria ao velório dele além dos de casa. João, apesar de ser um cara extremamente comunicativo e conhecido de longas datas, nunca foi muito de contar detalhes de vida familiar. Seus assuntos sempre foram o trabalho e os esportes, sua maior paixão. Só que neste dia foi diferente, não se sabe o motivo. Talvez para não deixar as amigas sozinhas desfiando seus causos familiares, mas o fato é que ele começou:
- Papai? Papai foi muito difícil... Mamãe coitada sofreu com ele! Mamãe nunca pode fazer nada a vida inteira. Viveu por conta dele! Ô homem chato ele foi! E ainda por cima ela tinha que cuidar da minha avó, mãe dele, portadora de Alzheimer. Papai morreu às oito da manhã. Eu falei “Mamãe vai ter velório ou vamos enterrar logo o papai?”. Às onze horas enterramos o papai e ao meio-dia já estávamos num restaurante almoçando ela, a vovó e eu. Em dois dias vendemos o apartamento, compramos um novo e ela, enfim, começou a viver a própria vida.
As amigas em quase estado de convulsão de risos ainda quiseram saber o destino da avó.
- Vovó? Vovó eu fiquei passeando com ela pelo cemitério todo gramadinho e ela acreditando piamente que era a fazenda do titio. No começo a gente resolveu contar que o papai havia morrido. Só que ela se esquecia por culpa da doença. No outro dia, perguntava “Cadê seu pai?” e nós respondíamos “Vovó, papai morreu, lembra?”. Então ela chorava tudo de novo. E a cada dia a história se repetia. Por fim desistimos. Quando ela perguntava pelo papai respondíamos: “Estava aqui agora vovó! Acabou de sair. Você não viu não?” Assim poupávamos todo mundo.
Patrícia e Eliane mal podem esperar pelo próximo encontro.

13.8.11

Homem-Aranha decapitado vira chefe motivador na coleta de lixo.


No caminho para o trabalho me deparo com esta cena: um Homem-Aranha, sem cabeça, sentado no alto do caminhão do lixo.

O indesejado => lixo       Os restos => lixo       O estragado => lixo

8 horas do seu dia são destinadas a recolher tudo que é desprezado diariamente nas casas e empresas => O lixeiro.

É neste ambiente que eu encontrei profissionais sorridentes trabalhando acompanhados do seu mais novo super-herói inspirador: O Homem-Aranha decapitado, que desempenhava o papel de um chefe altamente motivador e vigilante, passando as 8 horas de sua jornada fazendo o sinal de "joinha" para sua equipe.

4.8.11

Afonso e o violão


Afonso nasceu em uma modesta rocinha no interior de Minas.  Magrinho, alto e de pés no chão, por volta dos sete anos aprendeu a tocar cavaquinho passando para o violão poucos anos depois. "Tocava de ouvido", nunca conheceu uma nota musical. Como os seus irmãos, ele aprendeu a tirar os sons dos instrumentos tendo a mãe como professora. Ah, sua mãe tampouco havia estudado música, era uma maestrina exclusivamente por instinto. “Punha sentido” nas músicas e com uma audição apurada corrigia cada erro dos filhos. Assim "tiravam de ouvido" as melodias que faziam sucesso nos rodas de viola no cair da tarde nos campos.
E toda a sua juventude foi embalada pelos encontros musicais, hora em família, hora nas serestas e bailes na cidadezinha próxima.
Até que um dia, já por volta dos vinte anos, ele viu e ouviu um certo violeiro tocar. Esse violeiro era especial. Conhecia o mundo das notas musicais! Afonso ficou muito impressionado com aquele homem que dedilhava com tanto talento e naturalidade as cordas da viola. Ele era capaz de tocar qualquer música só acompanhando as tais notas naquele papel com linhas diferentes, chamado pauta musical.
Afonso era um rapaz vaidoso em tudo que fazia. Imaginou que nunca tocaria como aquele músico e foi aos poucos perdendo o encanto pelo seu violão. Deu o querido instrumento para um dos seus irmãos e nunca mais tocou. O único prazer que ainda mantinha era o de afinar as cordas dos violões sempre que tinha um por perto. Dizia que, afinar sim, fazia como ninguém. Fora isso, amanhecia e anoitecia escutando música como numa trilha sonora infinita. A música era inegavelmente sua companheira inseparável.
Quarenta anos depois ele voltou a ganhar um violão da sua mãe. Desta vez, mais emotivo pelo passar do tempo, se rendeu ao velho desejo latente. No seu cantinho voltou a tocar. Ah, e como era bom tocar de novo! Claro, seus dedos estavam meio enferrujados, mas era muito bom reviver os tempos áureos da juventude. Mesmo que sem pretendentes ao cargo de namorada para lhe escutar nas janelas. Desse dia em diante não mais largou o seu companheiro e o tem levado a todas as festas da família. Quem o observa atentamente, percebe em seu rosto a alegria de um menino que acaba de ganhar um brinquedo muito querido. Seu repertório não é lá muito extenso, diga-se de passagem. Contudo ele se diverte e diverte ainda mais suas netas que morrem de rir ao ouvi-lo tocando, aquela que é a sua música preferida: a eterna “Boate Azul”.
Essa história de notas musicais e pauta ele continua sem entender, mas é só alguém começar a cantar, que ele “põe sentido” e num segundinho já acompanha com o som do seu mais novo velho amigo.

Fico aqui pensando... Quantos anos são necessários para que a gente decida por agarrar nosso violão de volta...