Há alguns meses uma amiga me emprestou o livro "E aí? Cartas aos adolescentes e a seus pais" do Rubem Alves. No corre-corre do dia-a-dia o livro foi se ajeitando num canto da minha mesa de trabalho. Só ontem sua presença começou a me incomodar e numa sensação, como noutras vezes sentida, percebi que era o momento para iniciar a sua leitura.
Compartilho com vocês um trecho de uma das cartas, aonde ele comenta que apesar dos inúmeros estudos sobre o comportamento humano através dos bichos, nenhum bicho foi encontrado para o estudo da adolescência. O que explicaria, segundo o autor, a pobreza dos nossos conhecimentos nesta áreas. Valendo-se de uma hilária analogia, ele compara os adolescentes às mariticas. Perfeito!
"Por muitos anos tive escrúpulos de tornar pública minha descoberta revolucionária. Lembrava-me de Darwin, que foi cruelmente perseguido e ridicularizado por haver revelado nosso parentesco com os símios. Temi sofrer retaliações caso revelasse que o enigma dos adolescentes pode ser decifrado se estudarmos o comportamento social e psicológico das maritacas...
Sim, as maritacas... Mesmo sob exame superficial, as semelhanças saltam aos olhos.
Para começar, andam sempre em bandos, maritacas e adolescentes. Uma maritaca solitária e um adolescente solitário são aberrações da natureza. Daí o horror que os adolescentes têm da casa: na casa eles estão separados do bando. Havendo cortado o cordão umbilical que os ligava aos pais, eles o substituiram por um outro cordão umbilical, o fio do telefone, pelo qual eles se mantêm permanentemente ligados uns aos outros. Eles não conseguem ficar sozinhos, porque sentem muito frio.
Depois, são todas iguais, as maritacas. E também os adolescentes. Você já viu um adolescente se vestir diferente das outras para a festa? Os tênis têm de ser da mesma marca. Os jeans, da mesma grife. A Pachá* é um templo onde os adolescentes celebram suas igualdades.
Sabiás não padecem de crise de identidade. São aves solitárias e por isso cantam bonito de fazer chorar. Quando eles cantam todo mundo se cala e escuta. As maritacas são o oposto. Gritam todas ao mesmo tempo. Deus o livre (não me livrou) de assentar-se próximo a uma mesa de adolescente, no Pizza Hut... Dizem sempre a mesma coisa, dizem sempre igual, dizem sem parar. Mas eles nem ligam. Porque ninguém escuta mesmo.
E finalmente, maritacas e adolescentes não se importam com a direção em que estão indo. Importam-se, sim, com o "agito" enquanto vão.
(...) Espero que você tenha percebido que a essência do que estou dizendo se resume nisto: em situações quando chorar é inútil, só nos resta dar risada."
Trecho de uma das cartas do livro "E aí? Cartas aos adolescentes e a seus pais". (Rubem Alves)
* Casa noturna que existiu em Campinas.